quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Os Casarões - Como é o Check-in no hospício

CONTOS DO CASARÃO - CAPÍTULO 1

Tudo que ele sabe é que ele é um ser, e que ele está enclausurado em algum lugar. Onde ele está? Será que ele está sonhando? Não pode ser real! Tem todo esse pessoal vestido de branco. Porém aquele pessoal de branco mantém distância dele e de outros seres. O pessoal de branco é cheiroso, porém ele e os outros seres que eram mantidos longe do pessoal de branco cheiravam mal. Não podiam usar perfumes caros, às vezes mal podiam escovar os dentes! Estaria ele no Céu? No Purgatório? Ou no Inferno? Tem um homem que senta à uma mesa, uma mesa luxuosa. Mandam-no à sua sala e lá ele o observa. Será que ele (esse homem) é Deus (e está lá para julgar seus pecados)? Tem portas no lugar, daí ele chega à conclusão de que está numa casa. Quando ele olha pela janela ele vê que é um casarão, um prédio talvez. Mas ele só pode ter acesso a alguns quartos, limitado a andar em um corredor de cerca de 10 metros. Não deixam que ele se aproxime das portas. Daí ele conclui que está preso. Ele quer saber quem ele é. Ele não conhece ninguém lá.

Ele não conhecia ninguém lá, mas as pessoas o chamavam pelo nome. Isso o fez se lembrar de que ele tinha uma família. Aquilo não poderia ser Céu de jeito nenhum. Havia gente ruim lá. Mas ele ainda estava torcendo para que aquilo fosse um sonho. À noite, propositalmente, ele caía da cama, tentando acordar do pesadelo. Veio uma memória de sua infância. Ele costumava cair da cama de propósito para escapar dos pesadelos. Mas desta vez não funcionou. Logo ele leu em seus lençóis: Centro Psiquiátrico D. Pedro II. Ele tinha que se render à realidade. Ele tinha sido internado. Num hospício.

Mas por quê? O que ele tinha feito? Será que ele já era doente mental antes de ser internado? Será que ele tinha sido doente durante toda sua vida? Talvez sua família tivesse escondendo isso dele toda sua vida. Para poupá-lo. Se ele era um doente mental ele não sabia o que fazia. Sua vida não passava de uma loucura. Droga! Ele deveria saber! As pessoas sempre diziam que ele era maluco! Mas ele não acreditava que estivessem falando sério. Achava que estivessem brincando.Então tudo que ele achava que ele sabia era ilusão. Em sua vida ele estava sempre errado. Puxa! Eles o tinham internado! Ele não sabia por que, mas estava claro! Ele é louco! Alguém o tinha colocado lá, mas ninguém tinha lhe explicado por quê. Ele teve de descobrir sozinho onde ele estava!

E trouxeram-lhe drogas e mandaram-no tomar. Ele disse que não estava sentindo nenhuma dor e que queria saber para que servia aquele remédio. Mandaram-no calar a boca e tomar senão eles iriam perder a paciência. Como ele não queria apanhar, obedeceu. Afinal, eles eram violentos. Naquele lugar as mulheres eram mais ou menos boazinhas. Ele percebeu que as mulheres de branco eram mais agradáveis do que os homens de branco. Às vezes as mulheres de branco deixavam que ele lanchasse mais de uma vez. Às vezes ele podia até pegar dois, três copos de mingau, de uma vez! Os homens de branco insultavam-no todo o tempo. Às vezes não deixavam que almoçasse ou jantasse.

Depois de um tempo ele compreendeu que ele estava preso num hospital psiquiátrico e que as pessoas vestidas de branco eram enfermeiros, doutores, etc. Mas no começo, quando ele sequer se lembrava de que tinha uma família ele achava que as mulheres de branco estavam lá para ensinar-lhe a viver, discipliná-lo, enquanto que os homens estavam lá para puni-lo, fazê-lo pagar por algum pecado.

TÁBULA RASA CAPÍTULO 2

No princípio havia caos e escuridão. É um tipo de renascimento. Ele está num lugar. Ele sequer sabe por que ele está lá. Ele está totalmente confuso. Nada sabe ele de sua própria descendência, ele nem sabe se está vivo ou morto. Não sabe se é homem ou mulher. Talvez ele não seja nem um, nem outro. Talvez ele seja um anjo. Ou um demônio... É um recomeço. É um tipo de renascimento, pois ele é uma tabula rasa novamente.

Como as pessoas falam com ele passa a conhecer o próprio nome. Seu nome é a abertura da grande porta de seu passado... Suas memórias eram de muito tempo atrás, mas talvez nem seja tanto tempo, afinal, ele tinha pouca noção do tempo. Ele mal sabia quando era dez horas da manhã ou três da tarde. Não lhe deixavam ver o sol.

A menção de seu nome tornou as memórias mais claras. As memórias que ele tinha eram obscuras, porém a lembrança de seu nome deu-lhe uma certa identidade. Essa identidade o ligou a outras pessoas fazendo que as outras memórias fluíssem com mais facilidade.

Daí ele passava a receber lembranças mais lúcidas. De sua infância, adolescência e do início de sua vida adulta. Ele não conseguia se lembrar de coisas recentes de sua vida. Suas lembranças paravam num certo ponto e havia uma estranha pausa nas memórias.

Algumas das pessoas de branco lhe perguntaram sobre sua família. Quantos irmãos e irmãs ele tinha? “Você tem pai?” eles o estavam testando. Ele hesitou, mas respondeu todas as perguntas.Ao passo que seus parentes iam visitá-lo, suas memórias retornavam. No princípio ele mal podia falar com eles. Era cansativo, difícil. Eles lhe proporcionaram memórias, pois eles diziam: “eu sou isso! Eu sou aquilo!” “eu fiz isso! Eu fiz aquilo!”Houve um momento em que uma das moças bonitas que trabalhavam lá começou a perguntar sobre as crises do pessoal. “Por que você está internado?” “por que você está aqui?” Os internos que estavam com ele relatavam seus casos: “eu bati na minha mãe!” “eu quebrei minha casa inteirinha!” Quando ela virou para ele e perguntou sobre seu caso ele apenas encolheu os ombros e disse: “eu não tenho a menor ideia... o que aconteceu? Por que estou aqui? ” “você não se lembra do que fez? ” Ele sinalizou que não, se perguntando, cada vez mais, o que tinha acontecido? “Quando sua família vier visitar você, pergunte a eles.”Então, ansioso, ele aguardava a visita de sua família, para que lhe contassem a história dele. A história de sua crise.

Quando a família dele veio a mesma moça bonita o lembrou de perguntar sobre a crise. Então ele perguntou. Um de seus irmãos lhe disse: “você estava muito agressivo!” A menção de “agressivo” o levou a uma outra memória: ora, a canela dele estava no curativo. Era um sinal de agressão. Agressão dele? Bem, ele podia se lembrar do momento em que ele se arremessou em algo de vidro, provavelmente, ali sua imaginação voava: vidros se estilhaçavam, mas parecia que se dissolviam em água. De repente, ele se via na praia, se afogando, talvez. Mas seu irmão foi muito conciso, breve. Ele apenas disse: “Estêvão, você estava muito agressivo.” Nada mais do que isso. Então ele poderia ter cometido qualquer tipo de agressão, qualquer tipo de violência. Isso o estava consumindo por dentro. Ele tinha que saber o que ele tinha feito. Tinha sido coisa séria? Os grilos amontoavam.

Mais tarde duas das mulheres que trabalhavam lá conversavam sobre ele. Uma das mulheres era aquela que lhe tinha perguntado sobre sua história: “então você não se lembra como veio parar aqui?” Quando ele sinalizou que não ela continuou: “você se lembra de como machucou a canela? ” “sim.” “claro!”, ela disse sorrindo, “a gente sempre se lembra de dor. Quando dói, ah! Aí não dá pra esquecer!” Elas sorriram com certa ironia. Ele retornou o sorriso. Mas ele sabia que ele não se lembrava de nenhuma dor. Porque dor física não pode ser comparada a dor psíquica. Ele não se lembrava de dor na canela, mas se lembrava da dor dentro da cabeça. A verdadeira dor.

MEMÓRIAS NAS MEMÓRIAS - CAPÍTULO 3


No começo ele não podia sequer se lembrar do momento em que o levavam pelo hospital, quando eles o tinham pego e o estavam levando para tratamento. De alguma forma aquelas memórias próximas tinham sido apagadas. Aquelas memórias de pouco tempo atrás começaram a tomar forma quando seu irmão Ezequias disse: “você estava muito agressivo.” Mas aquelas eram memórias isoladas. Memórias separadas. A palavra “agressivo” o fez se lembrar daquele momento. Ele estava sendo levado para uma maca. Ele estava totalmente amarrado. Suas roupas estavam encharcadas de sangue, logo seus maiores medos lhe cruzaram a mente.

ele devia ter cometido alguma violência. Talvez ele tivesse matado alguém! Senão por que estaria amarrado como um animal e carregado como um saco de batatas? Ele sempre fora um excelente lutador, tinha noções de Kung Fu, Jiu Jitsu, Karate, técnicas de Ninja... Ele poderia facilmente matar uma pessoa. Durante toda sua vida ele tinha temido o dia em que ele viria a perder o controle. “Coloca ele lá!” Disse um dos homens. Eles jogaram-no na maca como um gari joga o pesado saco de lixo no caminhão, aliviado quando se livra do fardo desagradável e mal-cheiroso. Como sempre, houve uma pausa em sua memória.

A próxima coisa que ele se lembrou foi quando ele sentiu uma dorzinha na canela esquerda. Ele não sabia o que estava acontecendo, então ele começou a agitar as pernas para que a dor e o desconforto passassem. Então ele viu o homem de branco ( dessa vez ele não se lembrava do que acontecera momentos antes, mas sua mente não estava muito confusa, então ele sabia que eram doutores e enfermeiros). O enfermeiro fez cara feia e resmungou para o bombeiro que estava ao seu lado: “tá vendo?” O bombeiro entendeu a mensagem e começou a gritar com extrema violência: “abaixe as pernas! Abaixe as pernas, vamos! Abaixe as pernas, porra!” Estêvão não queria apanhar, nem sofrer nenhuma violência, por isso ele abaixou a perna. E também ele não queria que mais violência fosse gerada naquele dia. Ele podia se lembrar de seu nome, mas não tinha as lembranças dos últimos dias. E sua mente era como uma como Internet barata que toda hora caía, a todo momento era desconectada. A cada momento ele ficava mais confuso. A cada momento as coisas sumiam de sua mente.

Quando ele chegou lá ele ainda podia se lembrar de suas experiências com línguas. Ele planejava facilitar o aprendizado de línguas para ele e para o mundo. Uma de suas últimas lembranças era exatamente pesquisas a esse respeito. Mas, de repente, as pessoas a seu redor falavam enrolado. O passar do tempo trazia confusão, não clareza. As pessoas falavam enrolado, logo ele não sabia sequer em que país ele estava. Primeiro, porque ninguém falava com ele como se ele fosse gente. Num momento ele tentou chamar um dos enfermeiros, que apenas riu dele e disse “ele tá doidão ainda”. Num certo momento o homem de branco exigiu: “Vamos! O que você fez, cara!? Diga, rápido!” Estevão só podia dizer “não sei!.. Eu não me lembro.” numa voz bem pequena, bem frágil. Então seu irmão disse: “ele não se lembra, ele tomou injeção a pouco.”Mas tarde ele perguntou de novo: “Onde estou?”, “você está no lugar certo.”, respondeu um dos homens de branco, dessa vez, gentilmente. Foi uma resposta indireta, então Estêvão tentou novamente: “ Eu tô no hospício?”, perguntou com dificuldade. “É um hospital.”, corrigiu o homem, como se fosse um professor. “Hospital..” repetiu Estevão, como se para não esquecer mais, porém num sotaque espanhol que chamou a atenção do homem de branco: “É assim que se fala? Fala direito, vamos. Hospital.” “Hospital.”Em um outro momento ele via seus irmãos, Estefania e Ezequias, falarem de seus sintomas: “ele estava agressivo, dizia que era Deus.”. Porém nada era perguntado a ele. Era como se ele fosse surdo e mudo. Era como se ele não fosse uma pessoa. Sua mente voava. Se ele estava sendo ignorado daquele jeito, talvez ele não fosse adulto, como sempre fora. Talvez estivesse em uma outra encarnação e aqueles não fossem seus irmãos, mas sim seus pais. Pais que cuidavam de uma criança que não podia falar...

EMERGÊNCIA! - CAPÍTULO 4


Centro Psiquiátrico D. Pedro II. Um manicômio localizado numa tranquila vizinhança chamada Engenho de Dentro. Ninguém tinha informado Estêvão dessas coisas. Ele leu nos cobertores. (E ele não estava delirando quando leu nos cobertores. Mandaram escrever tais dados nos cobertores, talvez como uma propaganda do manicômio!) Agora sua mente ia para algumas mesinhas, de manhãzinha. Ele mal podia ver as coisas ao seu redor. Ele via tudo num pálido bem forte. Ele não podia distinguir, definir nada. Daquele momento em diante ele não podia se lembrar de nenhum rosto, pois todas as imagens eram embaralhadas. Ele só podia se lembrar de vozes. Vozes violentas e agressivas. Gritando o tempo todo. Mas a gritaria vinha principalmente do pessoal que trabalhava lá.

Aquele era o começo da confusão. Ele não podia ver direito e além disso os funcionários de lá (enfermeiros, certamente) gritavam com os clientes o tempo todo. Eles gritavam “sente aqui, porra!” “Não pegue isso!” No momento em questão ele e seus companheiros eram levados para tomar café da manhã. Ele mal podia ver. Mal se aguentava de pé. Ele se sentia como se sua mente quisesse abandonar o corpo. As vozes zuniam. Naquele momento ele ainda tinha consciência das coisas, ele ainda podia falar. Mas a equipe do manicômio não queria acreditar nisso. Tratavam Estêvão como se ele fosse irracional, inferior. Ele e seus companheiros não passavam de criaturas irracionais naquele lugar. Se ele fosse para um lado eles gritavam “pare! Você não pode ir aí!” Ele não sabia onde estava e era enxotado o tempo todo. Já estava difícil para ele ver as coisas, não lhe davam espaço. Gritavam o tempo todo... logo Estêvão começava a dar lugar para as ilusões. Ninguém tinha explicado para ele o que estava acontecendo, então ele começou a fantasiar sua própria história em sua cabecinha... será que ele não estava morto, num limbo talvez? Mais tarde, bem mais tarde ele ficou sabendo que estava na emergência do “hospital”.


IRMÃOS GÊMEOS - CAPÍTULO 5


Ele nem percebeu quando foi levado da emergência do hospital para outra “ala”. A confusão em sua mente crescia sem parar. Ninguém queria falar com ele, exceto um carinha. O rapaz falava com dificuldade, então Estêvão tinha problemas para entender. “Famo cher tranferido!” Ele sempre atraía Estevão para as janelas, de onde eles podiam ver o pátio com o grande movimento de ida e vinda de ambulâncias. O rapaz estava sempre dizendo para o Estevão: “Famo cher tranferido!”. Estêvão só dizia que não podia entender. Apesar de Estevão estar num delírio crescente, o rapaz insistia tanto que Estevão acabou entendendo que ele estava tentando dizer “vamos ser transferidos!”. Naquele momento Estêvão estava tentando encontrar alguma explicação que não era dada pelo pessoal de branco lá. Então ele fantasiava que estava no céu, cercado de anjos de branco, pessoas superiores, perfumadas, que não falavam com pecadores sujos como ele. Talvez ele estivesse numa maternidade e fosse o espírito de um bebê que estava para nascer. Opções convenientes e agradáveis. Paliativos. Quando o cara dizia “vamos ser transferidos” Estevão pensava “será que vamos nascer? Será que vamos ser transferidos para um mundo de seres iguais? Um mundo onde todos falam com todos, sem diferença?” Sua mente insistia na teoria de que ele e o rapaz eram espíritos de bebês prestes a nascer. Talvez fossem nascer como irmãos gêmeos. Neste lugar ninguém falava com ele, ninguém o considerava humano. Com exceção do rapaz, claro. O cara quase o trazia de volta a realidade quando dizia “temos que falar com fulano de tal sobre nossa transferência.” O cara o levava para alguma porta e dizia: “temos que esperar por fulano de tal.” O cara andava de um lado para o outro com as mãos nas costas, e Estêvão, como uma sombra, imitava cada gesto. Mas eles nunca falaram com ninguém. O pessoal de branco os ignorava. Estêvão falava com o rapaz e o rapaz falava com Estêvão. Um com o outro, o outro com um. Estêvão pensava: “esse cara fala enrolado. Talvez ele seja de outro país. Talvez esteja tentando falar português. Mas talvez eu seja do país dele! Deve ser por isso que ninguém quer falar com a gente! Então Estevão começou a falar com o rapaz em inglês. O rapaz sorria, intrigado, tentava esquivar e por fim tentar levar Estêvão para as janelas para ver as ambulâncias indo e vindo, talvez efetuando alguma transferência. Um dia o rapaz tentou arrastar estevão mais uma vez, dizendo: “vamos ser transferidos agora!” Mas Estêvão se recusou a segui-lo. Não importa o que aconteceu, mas desde daquele momento Estevão nunca mais viu o rapaz.


OS PERSONAGENS DO CENTRO PSIQUIÁTRICO
- CAPÍTULO 6


Prestes a sair do centro psiquiátrico D. Pedro II, Estêvão pensa nas pessoas que conheceu lá dentro... ele estava numa casa de loucos. Antes daquela primeira internação a imagem que era passada para ele era de que numa casa de loucos não havia coerência, em absoluto. Ele imaginava pessoas gritando o tempo todo, gente pensando ser Napoleão Bonaparte, gente pensando ser Cristo... ou seja, um festival de doidos rodando de um lado para o outro dizendo bobagem. Porém chegando lá ele se deparou com uma realidade muito diferente. Havia pessoas delirantes, mas a maioria das pessoas tinha sentimentos, tinha objetivos, tinha sonhos e, acima de tudo, sabia do que acontecia ao seu redor. Logo, num hospício não se mantinha pura e simplesmente loucos inconscientes, mas também pessoas recuperadas que já deveriam estar em casa há muito tempo. E ele pensa nessas pessoas...

João Batista
João Batista era uma figura alta e magra. De olhos verdes. Era uma figura altamente comunicativa, foi um dos primeiros a estabelecer contato com Estevão. “Tudo na santa paz de Deus?”, dizia ele, sorridente, enquanto fumava seu cigarro fumacento. Ele costumava despertar Estevão de manhã para tomar remédio: “Estevão, remédio. Tomar remédio.” Era o revolucionário da fila do café: “tô com fome, quero tomar café!” dizia, enquanto batia na portinhola onde serviam o café da manhã. Tinha uma namorada lá dentro. Porém um certo dia ele ficou “chato”: “João Batista, você tá chato pra caramba. Vou chamar os caras da contenção para amarrar você se você não parar de encher o saco. ” como ele não parou de “encher o saco” acabou sendo amarrado. Estevão via que eles chamavam de “encher o saco” o ato de ir perguntar coisas a eles, pedir coisas, ou seja, eles esperavam que os pacientes ficassem paradinhos, quietinhos, sem dar trabalho para eles. João Batista mal podia acreditar que eles estavam realmente amarrando. Era difícil de acreditar que se amarraria uma pessoa por tão pouco. Mas depois João Batista ficou quietinho, do jeito que os enfermeiros gostavam.

Catarina
Catarina era loira, linda e dizia que gostaria de receber alta e voltar para o convívio de seu marido e de seu filho. Dizia que já não sabia mais o que fazer, pois queria não ter mais essas crises. Dizia que o marido era muito bonzinho, amoroso e tolerante. Uma das moças que trabalhava lá disse que a epilepsia, se tratada corretamente, pode ser curada totalmente, sem deixar vestígios, portanto ela não precisava se desesperar. Estêvão pensava no amor que essa mulher tinha por um homem que covardemente a tinha internado para não ter que aguentar as dificuldades que ele teria que enfrentar com as crises da mulher. Estêvão sabia que crises de epilepsia podiam ser controladas, e epilépticos tem crises solitárias, que só poderiam causar danos a quem buscasse interferir de forma errada. Porém, o marido pensou primeiro no próprio bem-estar e conveniência. Quando ele viu aquela bela mulher pela primeira vez ele pensou que fosse perfeita, não era. Era impressionantes a cegueira da mulher e a indiferença do homem.

Alice
O que Alice queria fazer mesmo era agitar. Não era amarrada talvez porque nada pedia aos enfermeiros, portanto não enchia o saco deles. Ela gostava de pular, dar cambalhotas... fazer exercícios o tempo todo. Era uma mulher de meia idade. Falava rápido, mas de maneira compreensível e, apesar da agitação, não era delirante, muito menos violenta...

Sidney
Sidney era um amante da leitura de jornais. Quieto, tranqüilo... ele não reclamava de nada... como ele não reclamava acabaram se esquecendo da alta dele. Ele ficou lá internado umas duas semanas além do tempo que tinha sido preestabelecido.

Márcia
Márcia era branca, não era feia, mas a falta dos dentes da frente lhe estragava a aparência. Ela buscava mostrar firmeza, mas não se acostumava a ideia de ter sido internada: “me colocaram aqui por engano, eu não sou doida para ter que ficar junto com esses malucos.”, dizia ela às psicólogas, chorando.

Paulo e Ricardo
Paulo e Ricardo eram amigos inseparáveis lá dentro. Conversavam sobre vários assuntos, filosofavam... No início Estêvão fantasiava que Ricardo fosse seu pai.

Dona Dolores
E de repente surgiu no Centro Psiquiátrico D. Pedro II uma senhora que avaliava todo mundo: “Você está bem mesmo, meu filho? Tem que ter fé em Deus, hein?” Ela ia avaliando os pacientes um a um, sempre falando de Deus e cantando: “♫Glória, glória e aleluia! Glória, glória e aleluia! Vencendo em Jesus!♫♫♫” era uma católica ferrenha que enchia os pacientes de esperança com mensagens da Santíssima Maria, mãe de Deus. Ela buscava levar mensagens de fé para vítimas da doença mental, como Estêvão. Ela dizia: “Não se preocupe. Você logo sairá daqui. É só ter fé na nossa mãe, Maria. Tem que se apegar a ela, mesmo.” Ela seguia sempre com a mesma música e as mesmas mensagens cheias de encorajamento. “Eu estou aqui para levar a mensagem da Santa Maria para essa gente sofredora. Esse é meu trabalho. Eu vou visitando todos os hospitais, para ajudar as pessoas a vencer a doença.” Porém, quando conversava com uma estagiária, Estêvão veio a perguntar sobre a função de Dona Dolores: “Ora, ela está aqui se tratando, como você!”, respondeu a moça.

O AMBIENTE DO CENTRO PSIQUIÁTRICO - CAPÍTULO 7


O tratamento no Centro Psiquiátrico Dom Pedro II era mais ou menos assim: todos eram acordados bem cedo para tomar remédio (por volta das 6 da manhã), por volta de 8 horas era servido o café da manhã. Às 11 havia o almoço, 2 horas havia o lanche e, por volta das 5 era servido o jantar. Por volta das 10 da noite servia-se mingau. A comida era boa e farta: dois pães frescos no café da manhã seguidos de café com leite. Almoço com strogonoff, puré de batatas, nhoque, lasanha, frango, carne e pescado da melhor qualidade. Sobremesa com doce de leite, romeu e julieta, frutas e os doces mais variados. Enfim, alimentação 5 estrelas. Porém os enfermeiros davam remédios a seus pacientes assim: “abre a boca!”, gritavam os enfermeiros. Quando a pessoa abria a boca eles enfiavam o remédio e gritavam: “engole!”, depois: “levante a língua!” e por fim davam água para a pessoa beber.

Bem mais tarde Estevão veio a saber que mandavam levantar a língua para que o paciente não escondesse o remédio debaixo ou atrás dela para depois jogar fora. Esta ideia nunca lhe tinha ocorrido! No local havia um televisor em uma das salas, havia uma sala de atividades com lápis de cores, jogos e o som de um rádio. O banheiro tinha água quente, mas era mal iluminado, pequeno e sombrio. Dormiam no local que chamavam de enfermaria, onde havia várias camas lado a lado. Da janela dava para ver o pátio, mas era impossível ver o sol.,p> Dava para ver que estavam no terceiro ou quarto andar de um prédio e dava para ver também que havia várias ambulâncias pelas redondezas e outros prédios onde certamente se tratava de doenças mentais também. Havia lá senhoras de 60, 70 e até 80 anos que também se tratavam lá. Alguns pacientes não tinham onde viver, logo, moravam lá. Essas são algumas características do ambiente do Centro Psiquiátrico D. Pedro II.

No início tudo era muito barulhento. As pessoas gritavam, mas havia também uma companhia que tocava em determinados momentos. As vezes, quando ele olhava para alguma bela doutora que passava a companhia, que era altamente barulhenta, tocava. Era como se estivesse a denunciar sua falta de pudor, por olhar uma pessoa atraente de classe superior. Quando ele ia para um lugar que não deveria ir, ouvia a companhia tocar. O barulho ensurdecedor o perseguia. Havia um homem lá que gritava como se estivesse sob um sofrimento imenso. Ele só gritava, não tentava agredir ninguém. No entanto, a “cura” que os profissionais encontraram para ele foi amarrá-lo na cama e deixá-lo lá, contido, gritando a noite toda. Tudo era resolvido assim. Na base do terror.

Na época em que João Batista estava “enchendo o saco” e Estêvão ouvia as ameaças daqueles que deveriam cuidar das pessoas, ele não acreditou que levariam a cabo tal ameaça covarde. Afinal, João Batista não estava machucando ninguém. Ele só queria falar com os médicos, só queria a atenção que toda pessoa em fase de tratamento necessita. Ora, Estevão também tivera sua fase de agitação.

DELÍRIOS... SERÁ QUE SÃO PRODUZIDOS SÓ PELA MENTE? OU SERÁ QUE OS REMÉDIOS MAL-UTILIZADOS E O TRATAMENTO OFERECIDO POR PROFISSIONAIS MAL-PREPARADOS NÃO SÃO A PRINCIPAL CAUSA? ESSA É A QUESTÃO! - CAPÍTULO 8

Quando Estevão chegou no Centro Psiquiátrico D. Pedro II ele tentou conversar com os profissionais de lá. Porém era tratado como incapaz, inferior. Isso o confundia. O que ele era na verdade? Se eles o tratavam como irracional, como bicho, talvez ele realmente o fosse. Talvez ele realmente não tivesse condições para viver. Por que eles não podiam explicar para ele o que estava acontecendo? Por que eles não podiam falar com ele? Por que falavam dele na frente dele, mas como se ele não estivesse lá? Por que tentavam confundi-lo o tempo todo? Eles estavam lá para acabar com a confusão ou trazer mais? Por que não havia conversas francas? Eles não poderiam acreditar que enganação poderia ajudar alguém... ou será que eles achavam que as pessoas em fase de tratamento eram surdas e insensíveis a ponto de serem xingadas e maltratadas e não desenvolverem sequelas? Será que eles não percebiam que tantos maus-tratos em tratamento causam tantos traumas que chegam a superar os benefícios do dito tratamento?

Estêvão, depois de ser, repetidas vezes, tratado com desprezo e incompreensão começou a ficar com a cabeça embaralhada, constrangido. Afinal, tratavam-no como um irracional, como um errado, logo, ele deveria ser isso.

Ele se lembra de um dos muitos momentos de confusão. Era a fila do almoço. Lá ele observava as pessoas. Lá ele viu Catarina pela primeira vez. Ele, observando sua beleza, foi falar com ela, de imediato. Disse uma gracinha sobre sua boniteza e ela lhe olhou sensualmente e agradeceu. Ele insistiu: “qual é o seu nome?”, “Regina.” Naquele momento ele não insistiu mais. Porém, mais tarde, ela conversava com outra pessoa que lhe perguntava o nome: “Catarina.”, ela disse dessa vez. Então, intrigado, ele foi tirar a dúvida: “Ué... você não disse que seu nome era Regina?” “não...” ela replicou, sorrindo, “Regina é a minha irmã!” Estevão tinha a impressão que ela "estava dando mole",assim decidiu fazer a corte. E quando estava a ponto de fazer uma declaração teatral (tentando e já fazendo!) ela começou a se irritar: “hei! Me deixa! Eu sou casada!” como ele insistia ela apelou “gente! Gente! Por favor!”, nisso um dos auxiliares de enfermagem que trabalhava lá interviu: “deixa ela, seu chatinho! Nossa! Que coisa! ai, ai, ai...” Estevão estava surpreso. Catarina não era tão hostil, antes. Antes, quando ela disse para ele que ela se chamava Regina. "E eu sou casada", disse ela. "Mas não era possível!" Estevão pensava, "ela não daria mole daquele jeito se fosse casada! Será que ela está se fazendo de difícil?" Ele se recusava a acreditar que ela fosse casada, como dissera. Ele preferia acreditar que ela inventara Regina, e tudo. Talvez fosse sintoma da doença dela. Até que um dia o marido apareceu para uma visita. Aí ele ficava bolado: "será que ela tem realmente uma irmã aqui dentro?" Ele nunca mais viu Regina e nunca teve respostas para suas perguntas.

O SURDO E O TARADO - CAPÍTULO 9


A fila para o almoço era agitada. Barulho de pratos, talheres... sem dúvida a comida era em abundância e de excelente qualidade. Porém ninguém podia optar por pouca comida, já que a comida era posta antes, numa bandeja. Da bandeja você podia comer o que quisesse, mas qualquer coisa que você não quisesse deveria ser jogada no lixo. Era a regra de lá. As vezes vinha iogurte de sobremesa, se alguém, por um motivo ou outro, não quisesse deveria simplesmente jogar no lixo. Estevão achava doloroso ver comida que sequer tinha sido tocada sendo jogada no lixo o tempo todo. A fila trabalhava sua imaginação. Ele pensava que se deixasse as senhoras passarem-lhe a frente, assim como os necessitados, ele iria ser perdoado da pena que sofria. Se imaginava um Cristo no meio de pessoas carentes. Deixava que pegassem comida na sua frente, e tudo com um sorriso, afinal boa vontade era importante. Naquela mesma fila ele conheceu um rapaz surdo que buscava se comunicar com ele todo o tempo. O rapaz gesticulava, fazia caras e bocas, mas o nível de compreensão de Estêvão era baixíssimo. Estevão falava com ele tentando explicar que ele não podia entender. O rapaz apontava sem parar. Nisso Estêvão se lembrava de uma moça surda que estudou com ele na infância. Em certo momento o rapaz surdo apontou para uma moça, socou a palma da mão, apontou de novo... nisso Estevão pensou que ele quisesse que Estevão batesse na moça. Mas Estevão se limitou a dizer que não podia entender. Bem mais tarde Estevão veio a saber que socar a palma da mão e apontar quer dizer foder. Fora da fila sentia a realidade se misturando com o sonho, da mesma forma. Em dado momento ele começou a se fascinar com a beleza feminina seriamente. Não podia mais ver tantas mulheres lindas em sua frente! Principalmente uma certa loirinha linda de morrer que trabalhava lá. Ele observava um homem que tinha uma corda amarrada no tornozelo e que, dando socos no ar e olhando de forma cada vez mais agressiva, rodava de um lado para o outro, correndo na direção das mulheres, como um tarado.Assim, logo, Estêvão segurou o bracinho da loirinha e disse com uma voz enrouquecida: “nossa, como você é linda, vem cá...”, aí sua memória parou. Daí ele não pode se lembrar de mais nada.

Até outro momento no pátio. À noite ele viu quando levavam o tarado para a enfermaria (local onde os pacientes do Centro Psiquiátrico dormiam). Lá eles o amarraram na cama. Mas ele estava nu! Só escondia sua nudez com o cobertor! Estêvão mal podia acreditar que ele estivesse realmente nu, assim, decidiu puxar o cobertor do tarado para ver com certeza. E fazendo isso ele viu que o homem estava realmente nu! Porém Estêvão levou uma bronca por ter ousado tirar o cobertor: “deixa ele! Ele tem que ficar aí! Bastante tempo depois, num momento em que ele estava sentado com Márcia e um outro paciente, Márcia dizia “você estava atacando as mulheres, até tentou me beijar um outro dia.”, nisso Estevão pensou “eu tentei beijar esse canhão?! Eu pensei que tivesse tentado beijar a loura gostosa!”, “eu tive que sair correndo!”, continuou ela.“Caramba... eu estava doido mesmo! Imagina se ela acha que eu estou afim dela!”, Estêvão pensou. E ele ainda alertou o rapaz: “cuidado com ele! Nunca se sabe! Ele estava tentando beijar as mulheres. Pode ser que ele comece a tentar beijar os homens também.”, nisso Estêvão disse, brincando: “hum...até que ele não é de se jogar fora.”, e, se aproximando do rapaz, completou: “talvez não seja uma má ideia..."

ADÔNIS: O DEUS GAY - CAPÍTULO 10


Nos primeiros confusos dias de Estêvão no Centro Psiquiátrico Pedro II, quando ele notou que estava cercado por homens de branco, sua imaginação criativa o fez pensar que eles eram doutores de Deus, doutores celestiais. Então ele achou que eles iriam limpá-lo, purificá-lo. Ele achou que eles iriam tratar seus dentes. Ele achou que seu corpo seria totalmente purificado. Quando ele percebeu que estava com prisão de ventre ele logo pensou: “eles me fizeram tão perfeito que agora eu não defeco mais. Agora eu sou um santo. Santos não defecam.” Primeiro ele estava na emergência. Um dia, talvez. Daí ele foi para outro lugar. E agora ele está no último lugar de sua estada no centro psiquiátrico.


Ele estava confuso. Confuso com um monte de coisas. Quando ele chegou lá ele se viu cercado por mulheres. Elas olhavam para ele com grande interesse e curiosidade. Coroas, em sua opinião. Elas lhe diziam coisas, mas ele não conseguia entender tudo. Ele estava confundido com a língua. Num momento, umas delas (a moça grávida, talvez) perguntou a ele: “você é gay?”, ele respondeu: “sim, sou.”, pois em sua mente “gay” queria dizer “alguém de outro país” e tudo estava tão estranho que talvez ele fosse mesmo de outro país.


Num outro momento um cara que se identificou como residente psicologia perguntou-lhe sobre as vozes. O que as vozes dizem? Mas ele não ouvia nenhuma voz! Ele disse isso ao psicólogo que estava intrigado com ele. E o psicólogo queria saber o que o fazia fazer as coisas que ele fazia. Ele perguntou se havia algum tipo de impulso. O cara tinha um bom cheiro e um belo pescoço. Igual a outra bela garota que tinha falado com ele. Era tão bom que ele teve vontade de morder o pescoço dela. E o cara lhe deu a mesma sensação, então ele disse: “as vezes eu sinto vontade de morder as pessoas. Morder você por exemplo. Eu gostaria de mordê-lo.”, “mas por que você ferir as pessoas com mordidas? Por que isso?” Estêvão se espantou com o que o psicólogo disse, pois ele não queria morder para machucar, e sim por prazer.


Em sua opinião, o desejo sexual não era algo culpável. Afinal, há deuses que inspiram sexo. Deuses como Eros, o grande deus do amor, que nos lembra de sexo. O que dizer de Adônis? A beleza desse deus era um bastante afeminada, e ganhou o amor de Vênus, a deusa do amor! Na verdade o sexo está mais do que presente no mundo dos deuses! Estêvão pegou emprestado o jornal do Sidney e olhou as fotos de garotas nos jornais. Tinha uma sala no Centro Psiquiátrico onde se podia achar vários revistas e jornais. As vezes ele via belas garotas nas revistas e recortava as páginas e ia ao banheiro se masturbar.


A MAÇÃ DA BRUXA - CAPÍTULO 11

Um dia a mãe do Estevão veio visitá-lo no Centro Psiquiátrico. Ela lhe trouxe algumas maçãs. Como as visitas sempre eram depois do almoço, ele começou a comer as maças de sobremesa. Ele comeu umas três maçãs. João Batista, que tinha o hábito de pedir coisas as famílias dos outros pacientes do hospital, pediu uma maçã, que ele ganhou imediatamente. A visita terminou, sua mãe foi embora e a noite chegou... com o jantar. Ele comia aquela comida deliciosa, saboreando tudo quanto podia (era bastante comida, uma pessoa mal podia comer tudo aquilo sozinha). Mas de repente sua língua não respondia mais. Ele não estava conseguindo comer um pedaço de carne. Parecia que sua língua estava viva! Ela se movia fora de controle, como uma serpente! João Batista e outros pacientes viram sua agonia e gritaram pedindo ajuda. Tinha uma hora que sua língua não podia ser controlada em absoluto! Logo veio um homem de branco (um enfermeiro com certeza!), e Estevão disse, quase implorando: “Me ajude, doutor!” O homem estava com uma seringa. Estevão pensou que ele fosse dar-lhe uma injeção na língua, mas felizmente foi só no braço. O homem não queria falar com ele, não estava com vontade de explicar o que havia acontecido. Como a injeção não fez efeito imediatamente Estevão não pôde jantar.

Estevão pedia que o homem lhe explicasse o que estava errado com ele, mas o homem o tratava como se ele fosse irracional. “Não me siga!” dizia o profissional, tentando não ser ríspido, mas sendo ríspido, pois Estevão não era irracional e podia entender o que estava acontecendo até um certo ponto. O profissional não contou para Estevão sobre sua condição, mas uma das pessoas que estava internada com Estevão disse “Você está impregnado.” Estevão nunca ouvira o termo antes. O diagnóstico foi dado por um de seus companheiros de internação. E mais tarde Estevão veio a saber que estava totalmente correto. João Batista disse para Estevão: “Foi por causa das maçãs que aquela mulher deu para você. Eu comi uma e também passei mal. Acho que ela é uma bruxa.”, “Ei, não exagere! Ela é minha mãe!” Depois daquilo Estevão desenvolveu um estranho trauma. Pavor de maçãs. Ele não podia mais colocar maçãs na boca! Não podia comer mais maçãs! Dois anos mais tarde ele descobriu que impregnações eram causadas por superdosagem de certos medicamentos psiquiátricos. Especialmente superdosagem de Haldol. Somente depois dessa descoberta que ele pode tomar coragem para comer maçãs de novo.

A FALTA DE AFETO - CAPÍTULO 12


Uma vez Alice pediu um beijo a Estêvão. Ele deu um beijinho no rosto dela e ela reclamou: “beije-me na boca, como gente grande!” Estêvão fez exatamente isso. Eles mantiveram esse hábito de beijar na boca por alguns dias. E por fim Estêvão se viu descobriu apaixonado por Catarina.


Num outro dia Estêvão falava com Dona Dolores e com moça negra que trabalhava lá. Dona Dolores lhe perguntou sobre sua condição mental e finalmente ela disse: “não há nada errado com você. Você tem namorada?” Quando ele respondeu que não ela continuou: “é por isso. Seu problema não é doença. É falta de afeto.” , ela diagnosticou, “você deve arrumar uma namorada!” Daí ele olhou para a moça negra, que era muito bonita imediatamente e propôs: “quer namorar comigo?”, e ela respondeu, um pouco surpresa: “não!”. Dona Dolores riu e comentou: “você deve encontrar uma namorada lá fora, não aqui.”


Um dia ele estava atrasado para a medicação da noite e ele foi chamado pela enfermeira. Ele estava confuso devido ao tratamento que recebia (simpático da parte das mulheres, e rude da parte dos homens). Apesar disso ele estava sempre se perguntando: “quem sou eu?” Por isso ele criou uma maneira de se apresentar, assim ele disse à enfermeira: “deus Estêvão está aqui.” A enfermeira sorriu e disse: “não diga isso, pois atrasa a alta!”


SILÊNCIO!!! - CAPÍTULO 13

No começo da internação, às vezes, ele se encontrava perdido em um silêncio até agradável. E ele desfrutava da sensação de afastamento. Às vezes, ele dormia cercado de um silêncio divino, totalmente ausente de barulho. Porém, muitas das vezes, como ele se perdia no silêncio, também não conseguia perceber quando João Batista o chamava para tomar remédio, o que levava João Batista a ter de chamá-lo repetidas vezes. Assim, o som vinha como em um rádio transmissor com sinal ruim. Os sons vinham aos poucos: primeiro o som dos insetos, depois o som de passos, depois o som das vozes... Achando que talvez ele estivesse se perdendo demais naquela condição até agradável, ele começou a achar que aquela condição era efeito negativo da doença, apesar de ser até boa, conveniente, afinal, o que pode ser melhor do que se afastar da bagunça e alvoroço, que existem principalmente no local onde ele estava, um local onde os funcionários gritavam com violência o tempo todo.

Para não falar daqueles seus colegas internados que não tinham o privilégio do silêncio e eram perseguidos por vozes aterradoras, que os levavam a gritar e gemer de terror, e não para causar terror, como os profissionais de lá faziam. No caso dele, ele podia ser acordado com um chamado mais enérgico, mais forte da parte de João Batista ou com um grito violento e mal-educado da parte dos profissionais, que o arrancaria do isolamento. Porém as pessoas que estivessem gemendo com as dores da perseguição eram tratadas com isolamento, eram amarradas em uma cama. Infelizmente nenhuma providência real era tomada para amenizar a dor. Os profissionais de lá amenizavam a dor com mais dor. Logo, os profissionais de lá amenizavam as suas próprias dores, não as dos pacientes. Estevão passou então a considerar aquele silêncio que ele experimentava como um mal da doença. A cada dia ele buscava se livrar mais e mais daquilo. Chegava a achar que o remédio ajudava muito a controlar isso. E na verdade, aquilo perduraria muito ainda.


TIRANDO A LIMPO - CAPÍTULO 14


Quando Estêvão deixava o Centro Psiquiátrico D. Pedro II ele considerava e reconsiderava as coisas que ele tinha vivido lá. Ele se lembrou que quando ele chegou lá ele não estava tendo alucinações. Então ele pensou: "será que essas alucinações são efeitos das drogas (remédios)?" Afinal, quanto mais o davam remédios, mais confuso ele ficava. Será que as drogas tinham o poder de fazê-lo esquecer das coisas? Ele não conseguia se lembrar de sua primeira crise claramente.


Ele podia se lembrar de algumas partes, como em flashes. "Será que os remédios têm que fazer as pessoas se esquecerem para tornar a recuperação mais fácil?", ele pensava. Mas e quanto aos maus-tratos? Por que a maioria das pessoas trabalhando para o hospital tinham que gritar com as pessoas (em tratamento)? Por que amarrar as pessoas no fim do século 20?


O trabalho dos bombeiros não era combater incêndio e proteger os cidadãos? Por que estavam atacando doentes mentais? Até aquele momento ele tinha admiração pelos bombeiros. Ele tentava manter sua admiração por aqueles profissionais.


Ele tinha que admitir que seu psiquiatra, a nutricionista e os estagiários e as psicólogas tinham um comportamento diferente. Eles eram superficiais, mas ao menos tentavam ser gentis. Sua gentileza vinha mesclada com medo. E parecia que eles achavam que doentes mentais não podiam entender as coisas direito.


Parecia que eles achavam que pessoas com transtornos mentais não tinham discernimento. Apesar disso tudo eles não eram agressivos como os bombeiros e os enfermeiros, por exemplo. Então, em sua mente, Estêvão desculpava os bombeiros e os enfermeiros desta forma: "bem, eles não fizeram curso superior como os psiquiatras, as nutricionistas e os psicólogos. Com certeza, um bombeiro é treinado para resolver tudo no braço. Bombeiros e enfermeiros não têm curso superior, do contrário eles teriam boas maneiras. Alguns deles, talvez, sequer completaram o primário. Afinal, Estêvão não tinha completado o primeiro grau (ensino fundamental) e era mais educado que eles.


E o que ele poderia dizer da medicação. Eles davam-lhe medicações, mas não lhe explicavam para que lhe davam. como se fosse um segredo. Ele se sentia diferente, estranho. Primeiro ele mal conseguia ver. Tudo parecia esbranquiçado.


Num momento uma jovem, talvez psicóloga, falou com ele. Ele mal podia definir seu rosto, mas ela era tão bonita que ele fez um grande esforço para ver o rosto dela e ele tinha que elogiar sua beleza. Será que sua dificuldade para ver era efeito colateral do remédio? Os doutores não iriam dizer. O problema principal é que até hoje ele não sabe se a moça que falou com ele era real ou só uma alucinação.E o tarado e o cara surdo, então? Eles eram real ou só alucinação? E os médicos davam a impressão de eles não pretendiam esclarecer nada.

Sua condição era confusa e estranha. Será que as drogas que lhe davam que lhe causavam os problemas na visão? Ele era um cara de seus vinte e dois anos, mas se sentia com sessenta anos! Ele já não sentia prazer nas coisas que tanto gostava. Ele pediu revistas em quadrinhos ao seu irmão, pois não via graça em um romance policial que tinha pedido antes.


Sua visão estava péssima, ele mal conseguia ler. Ele chegou a conclusão de que ele seria obrigado a usar óculos. Desta vez era essencial. Comer e dormir eram seus únicos prazeres, sendo que ele só conseguia dormir a noite. (E de dia se perdia numa preguiça inexplicável.)


Por que os profissionais daquele hospital não levavam seus pacientes a sério? Numa época Estêvão vivia tirando o curativo de sua canela todo o tempo, e tinha um cara careca que estava sempre gritando com ele por causa disso.
Talvez ele não soubesse que Estêvão não se lembrava da forma em que tinha se ferido e estava tentando descobrir o que estava acontecendo. Quando Estêvão se livrava das bandagens do curativo ele podia ver suas feridas, ele podia ver os pontos. O cara dizia que ele que tinha colocado as bandagens. Porém, mais tarde, Estêvão se lembrou de que as bandagens tinham sido colocadas em outro lugar. O cara careca estava lá, sempre gritando e rindo zombeteiro. Toda vez que Estêvão se levantava da cama e ia se fazer alguma coisa o cara gritava: “vai deitar, Estêvão! Você só faz merda!” Interessante que o cara gritava com Estêvão como se ele fosse um cachorro!!


O cara parecia até preocupado com os ferimentos. Certa vez ele deu Polvidine ao Estêvão e o mandou tomar banho e lavar os ferimentos com a substância, o cara disse que era sabão e remédio ao mesmo tempo. Naquele tempo Estêvão não conhecia o Polvidine. Ele sentiu que estava sendo enrolado pelo careca, mas obedeceu. Mas tarde, quando ele já podia ver as coisas livre da confusão do começo, ele não pode encontrar mais o cara. Ele se perguntava se tal cara tinha realmente existido. Talvez ele fosse um fantasma ou uma alucinação. Não dava para ter certeza. Ele só tinha certeza de uma coisa: não importa se o cara era gente de verdade, um fantasma ou uma alucinação, ele estava tentando enrolar Estêvão, com certeza!


Nota: quando Estêvão deixou o Centro Psiquiátrico D. Pedro II ele percebeu que seus reflexos estavam comprometidos e o que as pessoas diziam para ele demorava para chegar ao cérebro. Mais uma razão para não gritar com ele!!


VIA DE EGRESSO - CAPÍTULO 15


E lá estava ele: alegremente deixando aquela prisão! Estêvão tinha ficado no Centro Psiquiátrico por 11 (onze) dias. Uma eternidade. Agora ele podia ver aquele lugar de um melhor lado: do lado de fora!! Confirmando o que ele tinha pensado o Centro Psiquiátrico era uma pequena cidade dentro do bairro Engenho de Dentro. vários prédios podiam ser vistos no lado de dentro dos altos muros do Centro Psiquiátrico D. Pedro II, ruas, farmácias (é claro!), praças, estacionamentos... Cada prédio era para um tipo específico de paciente. Alguns pacientes podiam caminhar livremente (sem supervisão) pelas ruas do Centro Psiquiátrico. (Talvez porque não tentavam fugir).


O próprio Estêvão tinha passado a maior parte do tempo limitado a enfermaria. Eles tinham deixado que ele saísse da enfermaria duas vezes. Primeiro eles tinham levado o Estêvão e outros pacientes companheiros de enfermaria para dar um passeio... dentro do Centro Psiquiátrico D. Pedro II, é claro!! Então ele andou com Dona Dolores, João Batista, Catarina e outros. Eles estavam nas ruas do Centro Psiquiátrico... mas sob vigilância. Eles tinham que ficar um perto do outro e não podiam ir longe. E era engraçado, pois não havia nenhuma possibilidade de eles se perderem!...


Alguns companheiros de Estêvão tinham deixado o Centro Psiquiátrico primeiro. Sidney, por exemplo, a enfermeira chegou a dizer que tinham esquecido da alta dele, e “isto é tão injusto, coitado!” Talvez isso tenha acontecido por Sidney ser muito quieto, resignado. E a namorada de João Batista tinha saído alguns dias antes também. E isso fez que Estêvão reivindicasse sua alta com muito mais energia, é claro!! Os enfermeiros ficavam muito agressivos quando Estêvão lhes perguntava sobre a alta. Como era de praxe. Mas o psicólogo o dava esperança, tratando-o com muito mais humanidade.


A Segunda vez que ele teve a oportunidade de sair do prédio para as ruas do Centro Psiquiátrico foi para cortar o cabelo. Ele estava sendo acompanhado por Márcia e pelas duas moças que tinham falado com ele no passado (aquelas que falavam sobre os ferimentos em sua canela). Sim! Eles tinham um salão de barbeiro dentro das dependências do Centro Psiquiátrico!


Então enfim ele deixou aquele maldito lugar! Liberdade! Ele deveria ir para um certo encontro lá dias depois. E ele foi. Era a “via de egresso”. Lá ele ouviu doentes mentais falando de seus casos pela primeira vez. E ele tinha pessoas com transtornos mentais em sua família. Pessoas que nunca falavam sobre isso. Ele sabia que um tio tinha sérios transtornos mentais e que estava em internações todo o tempo.


Mas quando ele deixou o Centro Psiquiátrico ele veio a saber de vários outros casos! Uma tia, a avó, uma cunhada, uma prima, um outro tio e mesmo uma irmã! (Todos com transtornos mentais num certo período de suas vidas, com problemas que Estêvão desconhecia) Como era possível!? Eles nunca tinham falado sobre todos esses casos! Por quê? Ah, sim! Eles tinham vergonha! As pessoas não dizem: “eu sou doente mental”, elas dizem: “eu tenho problemas de nervo...” É menos chocante. Menos humilhante. Ele já sabia do caso de seu tio Neném porque era muito evidente. O pobre homem barbudo tinha freqüentes crises. Geralmente ele estava nas ruas falando como um político... ou como um fofoqueiro! Sempre reclamando. TODA A VIZINHANÇA SABIA DE SUA LOUCURA! A loucura de seu tio não dava para esconder.


Bem, na “via de egresso” as pessoas falavam sobre sua loucura. Os familiares sempre falavam mais que os pacientes. Um paciente militar disse que ele tinha ficado fora de internações psiquiátricas por quinze anos. Ele tinha tido recaída dessa vez, mas ele disse estar confiante no futuro. Tinha uma paciente que andava com uma muleta. Sua parente falava sobre suas crises constantes. Inclusive que em uma das crises ela simplesmente pulou do segundo andar para a calçada. Por isso que agora ela andava mancando. Estêvão tinha machucado a canela na primeira crise. Ele estava diante de pessoas que tinham passado por várias crises. Será que ele teria várias crises? Será que ele iria sofrer maiores ferimentos? Eram as perguntas que ele se fazia. Ele e sua mãe falaram pouco, quase nada.

PARTE 2

PRÓLOGO

Pode parecer estranho que o prólogo desta obra apareça depois da parte 1 e após 15 capítulos. Mas isto é porque os 15 capítulos iniciais são vistos por mim (Ezequiel Coutinho) como uma introdução. Esta é uma história que realmente começa na parte 2. Eu me chamo Estêvão nesta história. Alguns psiquiatras terão seus nomes verdadeiros revelados.

Os médicos bem-intencionados terão seus nomes em segredo, abreviados, como numa sutil homenagem. Todos os outros nomes serão fictícios, salvo raras exceções.

É importante que o leitor observe que "Os Casarões" é escrito na terceira pessoa, justamente para que eu conseguisse me ver como um outro qualquer. Pois essa obra tem por objetivo ajudar de alguma forma os psicólogos e psiquiatras que a lerem. Além disso espero que estes relatos passem a formar uma história da psiquiatria, vista por usuários, pois até agora só temos escritos feitos por doutores. Então espero que esta obra seja averiguada por historiadores também!

Eu busquei ser sincero e colocar exatamente o que eu pensava na época das crises. Tentei ser bem humano. Bom frisar que o que eu pensava naquela época é diferente do que penso agora. Portanto o leitor vai se deparar com um Estêvão que ele julgará contra seus princípios religiosos, éticos, etc. Poderão avaliar meu perfil psicológico ditado por mim mesmo.

É claro que eu não ia me expor dessa forma por nada. Este material busca diminuir a dor dos pacientes psiquiátricos, pois eu sou um paciente psiquiátrico.

A minha esperança é que este material caia nas mãos dos profissionais da saúde mental, e faça que eles percebam que os métodos usados hoje são arcaicos e não permitem que as pessoas saídas de internação possam ter vidas "normais" como eles dizem. Que este material caia nas mãos dos pacientes psiquiátricos, para que vejam devem divulgar sua história também (para o bem de muitos). E que este material caia nas mãos dos familiares, políticos e jornalistas e toda sociedade. Para que vejam que precisamos de mais do que passes e benefícios, pois a maioria de nós pode se manter, desde que não haja preconceitos e discriminações. Nós somos doentes mentais, mas temos dois braços, duas pernas e podemos pensar. (Senão eu não conseguiria escrever isso!)

Minha opinião, pensamento e conhecimento mudaram desde minhas internações, o que eu pensava antes é bem diferente do que eu penso hoje. Mas fique certo que eu busquei sempre colocar o que eu pensava na época das internações no relato, diferenciando com o máximo de imparcialidade meus pensamentos e minha opinião e buscando relatar os fatos mais sórdidos com a maior imparcialidade possível. .

Observe que certos relatos são pesados, constrangedores, e altamente cruéis e que eu aconselho que sejam vistos por profissionais da área da saúde. Todos textos que eu colocar em vermelho contém coisas extremamente chocantes, bizarras e técnicas, portanto devem ser evitados por menores de idade e por qualquer pessoa que prefere evitar o sádico.

BEM ANTES DA PRIMEIRA GRANDE CRISE... - CAPÍTULO 16

Quando Estêvão retornou a sua casa, no bairro de Guadalupe, na cidade do Rio de Janeiro, ele se sentiu como se fosse de outro planeta. Marte, talvez? Marte é o planeta da guerra. Ele preferia Vênus, o planeta do amor. Ele se surpreendeu quando viu o vidro da porta de sua casa quebrado na parte de baixo. Ele não podia deixar de pensar que ele tinha feito aquilo. Ele podia se lembrar vagamente do vidro quebrando, mas ele não podia se lembrar dos detalhes. Ele não sabia que era a porta da frente. Nem mesmo tinha certeza de que era uma porta. Ele perguntou sobre isso a um de seus irmãos e recebeu a resposta que, com certeza, ele já sabia, mas estava com medo de encarar a verdade. Ele viu marcas de sangue aqui e ali. O sangue dele. Tinha sido ele quem tinha quebrado aquele vidro. Quando ele entrou na casa as lembranças foram retornando. Dias atrás. Bem antes da sua primeira grande crise. Tudo que ele queria da vida era simplicidade. Estêvão era um cara que estava sempre se apaixonando por tudo. diferente da maioria das pessoas, ele achava que saúde era mais importante que as aparências. Por isso ele se exercitava, evitando exercício a noite, pois ele sabia que isso podia tirar o sono, e sono é essencial para a vida.

Num momento de sua vida ele se apaixonou pelo alemão e pelo inglês. Por isso ele mudou toda sua vida. Ele se mudou da casa onde ele tinha crescido, uma casa onde ele vivia sozinho, para outra casa, apenas para aprender línguas mais facilmente. Podia se dizer que ele deu sua casa para obter conhecimento. Ele estava trocando o amor que ele tinha por sua casa por um amor maior: a língua alemã, a língua de Adolf Hitler. Ele se apaixonou completamente pelo alemão. Era fascinante! Logo ele se interessou por outras línguas, como o espanhol e finalmente o francês. Muito mais tarde ele se interessou pelo italiano, simplesmente porque uma moça australiana com quem ele falava lhe disse que ela só podia falar sua língua natal (inglês) e italiano, que Estêvão ignorava completamente, até aquele momento. No início inglês era só um passatempo bem divertido. A língua que ele estava estudando de verdade era o alemão. No começo era um inglês bem rudimentar, e ele falava muito pouco.

Mas seus irmãos pareciam ciumentos, invejosos. A inveja começou quando eles viram que ele estava levando seus estudos a sério. Um deles estava sempre tentando ver defeito em sua pronúncia de uma maneira bem despeitosa. O outro dizia, "Hum, agora você tá importante. Tá falando inglês e tudo." Tudo que ele podia dizer é que todos os povos da terra falam ao menos uma língua. Logo língua é coisa comum. Todo mundo fala. Não é nenhum sinal de importância. Sua irmã não acreditava que ele pudesse falar bem sem pagar rios de dinheiro. Mas além de seus irmãos germanos, outras pessoas mostravam a mesma descrença e inveja. Seus ex-colegas de escola, agora várias séries na frente dele (que tinha deixado a escola sem completar a 8ª série), ficam de boca aberta. Seus companheiros de trabalho riam dele e o insultavam. Tudo isso por causa do inglês, pois mesmo quando ele falava alemão eles pensavam que ele estivesse falando inglês. Por isso ele achou que era melhor não deixar que eles soubessem do alemão e das outras línguas!... Isto ia protegê-lo de um bocado de inveja. Ele se espantava diante de algumas pessoas pobres que eram cheias de vãs ambições, grande inveja e preguiça que fingiam ser humildes. Eles queriam dizer que aquele inglês de Estêvão (pois não sabiam das outras línguas) era o Estêvão querendo se mostrar. Estêvão pensava, "pobre gente! Eles não é sabem o que é paixão!" Paixão movia sua vida. Por isso ele não ligava para dinheiro e não dava a mínima para posições sociais. Paixão era o combustível. E por falar em paixão, havia uma garota que trabalhava com ele e que era a mais bela moça que ele conheceu...

A NOIVA DE COPACABANA - CAPÍTULO 17

Na cabecinha de Estêvão Jacqueline era a garota mais sexy que ele tinha conhecido. Bem, tinha uma prima que era mais sexy, mas prima não conta. Ele conheceu essa moça quando ele começou a trabalhar na farmácia do seu Flávio. A farmácia do seu Flávio ficava em Copacabana, onde Jacqueline nasceu e cresceu.Estêvão e Jacqueline eram muito jovens: ele tinha treze anos e ela era um ano mais velha. No começo ela parecia fria e indiferente e até antipática. Mas com o passar do tempo ela se mostrou bem legal e agradável. Ela já estava namorando o mesmo cara por um tempão e acabaram ficando noivos. Estêvão não ficou triste com isso, apesar de tudo. Afinal, ele não queria se casar. E apesar de estar noiva ela dizia que pensava a mesma coisa. Ela dizia que também não queria se casar...

PAIXÕES VERSUS DORES - CAPÍTULO 18

Então um dia Estêvão foi fazer uma visita a seus amigos na farmácia do seu Eduardo. Para sua surpresa a farmácia tinha falido. Todos seus funcionários foram para outras farmácias. Sim, naquele tempo o seu Flávio já tinha comprado outra farmácia. Num tempo ele tinha três farmácias em parceria com o seu Eduardo: duas em Copacabana e uma no centro da cidade. Aí a farmácia sob o comando do seu Eduardo faliu. Por causa disso Marina foi para a farmácia do centro da cidade. Jacqueline deve ter ido para a outra farmácia de Copacabana. Os outros companheiros se separaram da mesma forma. A última vez que Estêvão tinha falado com Jacqueline foi na farmácia que agora estava fechada e falida. Ele foi para a farmácia mais antiga, a que tinha ficado, ele falou com as pessoas lá, mas não viu Jacqueline. Ele estava louco para vê-la, mas ele não queria deixar aquele sentimento aparecer, afinal, ela estava noiva. As pessoas poderiam interpretá-lo mal. Por isso ele não perguntou por ela dessa vez. Mas alguns dias mais tarde ele não pôde aguentar mais e perguntou sobre ela. O seu Flávio foi pego de surpresa. Seu semblante mudou. Seus olhos ficaram vermelhos e ele respondeu, "ela morreu."

Mas como Estêvão podia acreditar naquilo? Ela era saudável. Não fumava, fazia exercício, se alimentava bem... Não dava para acreditar que ela tinha ficado doente, pois definitivamente ela tinha hábitos saudáveis. Por isso Estêvão queria que o seu Flávio explicasse como ela tinha morrido. Ele disse que ela "morreu num assalto." Impossível. Improvável. Ela era inteligente. Ela nunca ia agir de forma imprudente num assalto a mão armada. Ela nunca ia discutir ou lutar contra um assaltante armado. Estêvão tinha certeza disso, pois ele tinha estado no meio de um assalto a um banco com ela. Eles estavam fazendo um depósito com o seu Eduardo. O banco ficava na rua Nossa Senhora de Copacabana próximo a Djalma Ulrich. Eles tiveram que ir ao segundo andar para dar o dinheiro ao gerente. Enquanto eles esperavam lá em cima, eles não podiam ficar sabendo do que estava acontecendo lá embaixo. Um funcionário do banco disse algo baixinho no ouvido do seu Eduardo. Assustado, o seu Eduardo disse agora para a Jacqueline, "o banco está sendo assaltado!" Tanto o seu Eduardo como a Jacqueline estavam carregando pacotes com os ganhos da farmácia. Então o seu Eduardo pegou o dinheiro das mãos de Jacqueline e deu todos pacotes de dinheiro para o Estêvão dizendo, "coloque todo o dinheiro na sua pochete, fique bem discreto e eles não vão pensar que você está carregando um montão de dinheiro. Pois se nós dermos o dinheiro para o gerente agora os ladrões vão levar tudo." Claro. Estêvão era preto. Vestia roupas velhas. Nenhum bandido ia pensar que ele estivesse carregando um bom dinheiro consigo. Estêvão costumava levar sua pochete para todo lugar, pois ele sempre levava livros dentro da pochete, que ele lia enquanto esperava nas filas.

Em tensão Estêvão esperou que os bandidos subissem para o segundo andar. Logo um rapaz moreno chegou cheio de marra. Todo metido. Cheio de bravata. Ele girava a arma nos dedos e dava ordens de maneira assustadora. Estranhamente Jacqueline estava toda calma, sem a menor preocupação. Na verdade ela era a pessoa mais calma lá. Bem, tudo acabou bem. O assalto falhou e ninguém se feriu. Tudo acabou bem. Ou quase tudo bem. Um dos bandidos foi baleado e provavelmente morreu. (A perda de vida humana nunca é bom.)

Pelo o que Estêvão tinha visto de Jacqueline ele tinha certeza de que ela não daria razões para um bandido matá-la. Aquilo tinha sido tão chocante que ele foi para casa chorar. Sim. Chorar. Quando seu velho pai morreu ele não sentiu nenhuma vontade de chorar. Quando seu tio Neném morreu de forma suspeita num hospício Estêvão se revoltou, mas não chorou. Mesmo quando seu amigo Fábio morreu afogado numa piscina ele não chorou. Mas tinha algo bem revoltante na morte de Jacqueline. Ela morreu ao ser baleada numa troca de tiros entre um policial e um assaltante. Dentro de um ônibus...


A PRIMEIRA GRANDE CRISE - CAPÍTULO 19 (antes de ler a primeira grande crise veja a descrição do amor segundo Freud)

Enfiada nos seus caprichos, a linguagem continua fiel a todo tipo de realidade. É assim que ela designa sob o nome "amor" relações afetivas bem variadas, que nós reunimos teoricamente sob a mesma denominação, sem indicar, no entanto, se deve-se usar essa palavra para significar amor verdadeiro. (...)

Num certo número de casos o amor não passa de um apego libidinoso a um objeto, visando satisfação sexual direta, o apego acaba quando se consegue a satisfação: este é o amor comum, sensual. No entanto, sabemos que a situação libidinosa não apresenta sempre essa simplicidade. A certeza da gente de que a necessidade (desejo) depois de saciada volta a se acender, fornece a principal razão para o apego permanente ao objeto sexual, da persistência do "amor" por esse objeto, mesmo quando a gente não sente mais a necessidade sexual.

Mais uma conseqüência notável decorre do desenvolvimento da vida amorosa do homem. Na primeira fase de sua vida, fase que geralmente termina aos cinco anos, a criança encontra em um de seus pais seu primeiro objeto de amor, no qual se concentram todas suas tendências sexuais que exigem satisfação. O recalque que se produz no fim dessa fase impõe a renúncia da maioria dos objetivos sexuais infantis, e acarreta uma profunda mudança de atitude em relação aos pais. A criança continua apegada a seus pais, mas suas tendências primitivas ficam bloqueadas no seu objetivo. Daí em diante os sentimentos que ele sente por essas pessoas amadas são qualificados de "carinhosos". Sabe-se que as tendências "sensuais" anteriores persistem com maior ou menor intensidade no inconsciente e que, conseqüentemente, a corrente (tendência) primitiva continua a fluir, num certo sentido. (...)

O que falsifica o julgamento aqui é a idealização. Mas nossa orientação se encontra facilitada nesse fato: nós vemos claramente que o objeto é tratado como o próprio eu do sujeito e que no estado amoroso uma certa parte da libido do narcisismo se encontra transferida para o objeto. Em certas formas de escolha amorosa é até evidente que o objeto serve para substituir um ideal que o eu queria encarnar na sua própria pessoa, sem conseguir realizá-lo. A gente ama o objeto pelas perfeições que a gente queria em seu próprio eu, e a gente busca dessa forma satisfazer seu próprio narcisismo. (...)

Em todo estado amoroso se encontra uma tendência à humilhação, à limitação do narcisismo, ao apagamento diante da pessoa amada; nos casos extremos, as características só se encontram exageradas e, depois que as exigências sensuais somem, elas (as características) dominam a cena.

Isso se observa mais particularmente no amor que não deu certo, sem retorno, pois no amor compartilhado cada satisfação sexual é seguida por uma diminuição do grau de idealização que se atribui ao objeto. Simultaneamente a esse "abandono" do eu ao objeto, que não se distingue em nada do abandono sublime a uma ideia abstrata, cessam as funções direcionadas para o que o eu considera como o ideal com o qual ele queria fundir sua personalidade. O senso crítico se cala: tudo que o objeto faz e exige é bom e irreprochável. A voz da consciência pára de intervir quando se trata de algo que possa ser favorável ao objeto; na cegueira amorosa a gente se torna criminoso sem remorso. Toda a situação pode ser resumida nesta fórmula: o objeto tomou o lugar do que era o ideal do eu. (...)

É interessante notar que são precisamente as tendências sexuais desviadas de seu objetivo que criam entre os homens os laços mais duradoiros. Isso se explica facilmente pelo fato que essas tendências não são capazes de receber uma satisfação completa, enquanto que as tendências sexuais livres sofrem um enfraquecimento extraordinário, uma queda de nível cada vez que o objetivo sexual é atingido. O amor sensual é destinado a se apagar quando satisfeito; para poder durar ele deve estar associado, desde o início, a elementos de puro carinho, desviados do objetivo sexual, ou então, em dado momento, sofrer tal transposição.

6 comentários:

Anônimo disse...

Psiquiatra uma indústria da morte

Anônimo disse...

PSIQUIATRIA UMA INDÚSTRIA DA MORTE

Anônimo disse...

PSIQUIATRAS TEM QUE SER EXTINTOS DA FACE DA TERRA, SÓ SERVEM PARA MATAR, NEUROLOGISTAS ESTUDAM CÉREBRO

Anônimo disse...

QUEM TRATA DE CÉREBRO É NEUROLOGISTA, PSIQUIATRA NÃO SABE DE NADA, SÓ MATAR

Anônimo disse...

QUERIA QUE TODOS OS PSIQUIATRAS TOMASSEM HALOPERIDOL INJETÁVEL INJETADO NO PESCOÇO, ISSO QUE ELES MERECEM

Anônimo disse...

PSIQUIATRIA UMA INDÚSTRIA DA MORTE